A industrialização trouxe grandes alterações económicas, técnicas e sociais. Nos estados desenvolvidos, a maioria das pessoas já não vivia no campo nem trabalhava no sector agrícola, mas nas grandes cidades trabalhando em fábricas e vivendo frequentemente em blocos habitacionais densamente construídos, sobrelotados e mal conservados devido a avareza dos seus proprietários. As condições de higiene (água corrente, saneamento, para não falar de casas de banho) eram quase sempre insuficientes, assim como a privacidade e o arejamento das habitações. “Doenças da pobreza” como o raquitismo ou a tuberculose encontravam-se na ordem do dia. No princípio do séc. XX a reacção contra esta situação desumana e pouco natural foi, inicialmente, o incitamento a um “regresso à natureza”. Esta hostilidade contra a cidade moderna, fruto da industrialização, não se limitava à classe operária, mas afectava também membros das classes mais prósperas que se sentira esmagadas pela velocidade do desenvolvimento tecnológico e da evolução social dai resultante. O crescimento cada vez maior das cidades tinha tornado o campo longínquo para muitas pessoas, a uma distância que só podia ser transposta aos domingos. A “reforma do modo de vida” tornou-se um tema extremamente discutido. Também aos arquitectos e e aos outros artistas, que procuravam uma saída para a paralisia do Historicismo, o regresso à natureza pareceu prometedor. Utilizavam formas vegetais e linhas fluidas, aplicavam frequentemente motivos baseados em plantas trepadeiras, quedas de água ou cabelos de mulher compridos e soltos. Este tipo de ornamento foi chamado “Jugendstill” na Alemanha segundo a revista “Jugend” (juventude) fundada em 1896, que relacionava o seu nome à juventude e novidade do pensamento por si difundido. Na Áustria falava-se de “Sezessionsstil” uma vez que se tratava de uma secessão (separação) da concepção da arte e da linguagem formal dominantes, na Itália de “stile Liberty”, segundo o nome do armazém londrino que , através da exportação dos seus tecidos, funcionou como divulgador do novo estilo; na Inglaterra falava-se, é claro, de “Modern Style”, na Bélgica e na França de “Art Nouveau”. A singularidade da Arte Nova, um período fortemente individualista, é marcada pela mestria artesanal e dependência da personalidade do respectivo artista. A sua relação com o puramente decorativo faz com que o novo estilo lembre o Historicismo, no entanto transporta em si os germens da procura de formas adequadas aos respectivos materiais e funções. O arquitecto catalão António Gaudí ocupa um lugar à parte neste movimento, cuja evolução apresentava diferenças regionais e nacionais, e que em Espanha se chamava “Modernismo”. Em vez de se contentar com a decoração de superfícies, Gaudí entendia o edifício como uma escultura, que modelava na sua totalidade de um modo extremamente plástico: as fachadas tornavam-se superfícies porosas e movimentadas, semelhantes a paredes de rocha cobertas de trepadeiras ou esculpidas, as janelas transformavam-se em entradas de grutas, os telhados em bancos de coral revestidos com mosaicos abstractos de pedaços de faiança e vidro. Em 1883, o arquitecto foi encarregue de continuar a obra da igreja da Sagrada Família, de estilo Neo-gótico, em Barcelona. Gaudí, que acreditava numa arquitectura “total”, abrangente e simultaneamente individualista, fê-lo com uma interpretação muito própria, misturando ao Gótico elementos mouriscos. No entanto esta obra não foi concluída até à sua morte, em 1926. O modo como se afastou das ideias tradicionais de espaço exterior e interior, interpretando ambos coma introdução de um cálculo das estruturas extremamente engenhoso e inovador foi progressista. Porém, o excessivo trabalho manual que os seus edifícios apresentam, nos quais controlava até os mais ínfimos pormenores (não deixando, por exemplo, um único ângulo recto nos apartamentos de luxo da casa Battló ou da casa Milá), não podia de modo algum constituir uma orientação futura, num séc. XX onde a principal tarefa da arquitectura era a luta contra a crise habitacional.
Mais importante do que as formas concretas da Arte Nova foram as ideias e os princípios teóricos que a tornaram em muitos países, a base da modelação moderna. Em primeiro lugar, com o realce da linearidade, regressou à arquitectura uma procura de verticalidade como só tinha existido, até então, nas formas do Gótico. A arquitectura historicista era maciça, pesada e estática. A tendência ia agora para a fluidez, o movimento, a graciosidade e a quase imaterialidade – reflexo do progresso veloz dos meios de transporte (comboio, automóvel, avião), de comunicação (telefone, telegrafia sem fios) ou das imagens (cinema). Mas mais importante ainda foi a procura da adequação à verdade dos materiais: as matérias-primas já não deviam ser “violentadas” e revestidas mas tratadas de acordo com a sua natureza, de modo a produzirem um efeito natural. Assim, o efeito estético e decorativo devia ser fruto do material, da sua estrutura e da sua função. Henry van de Velde, um dos artistas mais importantes do movimento Arte Nova, que, além de arquitecto, foi pintor, designer gráfico e de equipamentos, escreveu em 1902: “A função do ornamento em arquitectura parece-me ser dupla. Deve por um lado, apoiar a estrutura e deixar transparecer os seus meios e, por outro, trazer vida por meio do jogo de luz e sombra, a um espaço iluminado de forma demasiado uniforme. Com estes princípios, afirmo ser possível criar ornamentos arquitectónicos completamente novos que passo a passo, seguirão as intenções do edifício, assim como as diferentes modulações e os vários meios construtivos”. Estas linhas fluidas eram fáceis de obter com o ferro, que podia ser dobrado, enfeixado e torcido. Exemplos famosos desta adequação do material são as entradas do Metro de Paris, inaugurado em 1900, desenhadas por Hector Guimard. Há muito que o ferro era um material construtivo comum. No entanto, tal como o betão que se estava a impor lentamente, costumava ser escondido por detrás de pedra, estuque ou madeira. Era agora utilizado pela primeira vez para modelação de espaços interiores – como na escadaria esteticamente revolucionária da casa Tassel, em Bruxelas, projectada por Victor Horta em 1893. Em vez de continuar a ocultar a forma da construção, a estrutura de suporte de um edifício tornava-se visível sendo a decoração desenvolvida a partir dela. A estrutura composta por pilares e vigas de ferro ou aço passou a aparecer nas fachadas das construções mais avançadas e os vãos eram fechados com vidros de grandes dimensões. Exceptuando a “Escola de Chicago”, que não teve seguidores na Europa, este tipo de aplicação do ferro só tinha sido visto em pontes, estufas, bibliotecas, estações, naves de fábricas ou pavilhões de exposições – as chamadas “construções utilitárias”, obras de engenheiros civis e não de arquitectos. A tradicional separação entre artes e ofícios e “belas artes” foi também dissolvida. “Tudo o que não tenha função não pode ser belo”, tinha declarado o arquitecto da Arte Nova, Otto Wagner, cujo edifício da Caixa de Aforro Postal de Viena, concluído em 1906, se encontra entre os mais modernos do seu tempo. Os arquitectos interessavam-se agora por todos os domínios da vida. Segundo este ponto de vista nenhum objecto era demasiado banal: candeeiro, sofá ou saleiro, todos eles deviam ser desenhados por um criador. A exigência que percorre toda a arquitectura moderna toma forma. Não se trata apenas de reformar a decoração ou concepção de uma casa. Trata-se da remodelação do mundo inteiro, que se pretende construir novo, tanto no sentido literal como no figurativo. Como regresso à verdade e ao efeito do material estabelecia-se uma ligação com as intenções do movimento “Arts and crafts” (artes e ofícios) do sec.XIX. No entanto, ao contrário do grande mentor desse movimento, William Morris, falecido em 1896, os arquitectos e os designers do início do sec.XX não eram contra as máquinas. Tinham reconhecido que era um erro sonhar com a idade Média e culpar as máquinas como a origem de todos os males. Quem quisesse remodelar o mundo teria que conceber peças adequadas à produção industrial, de modo a que os bens pudessem ser levados em grandes quantidades às massas, a preços reduzidos. Na Alemanha, reuniram-se, com este objectivo, artistas, artífices, técnicos e industriais progressistas, no pressuposto de que produtos bem concebidos, de boa qualidade e elogiados por técnicos da especialidade se tornariam mais vendáveis e economicamente rentáveis. Assim fundaram a “Deutscher Werkbund” em 1907. Esta associação, que originou organizações do mesmo género noutros locais, propagandeava a “forma adequada” de móveis, aparelhos e até de casas: o que for adequado ao material e à função é verdadeiro, e portanto bom e belo. Para a difusão das suas ideias e produtos, a “Werkbund” realizava exposições, das quais as mais importantes – foram as de1914, em Colónia e a de 1927, em Estugarda – em que foi apresentado o bairro habitacional “Weiβenhof”, projectado e dirigido por Ludwig Mies van der Rohe.
A linguagem formal da Arte Nova acabou por estagnar, pouco tempo depois, em simples jogos decorativos. Já antes da Primeira Guerra Mundial este estilo era criticado e troçado, e isto só se viria a alterar com o início da onda nostálgica, nos anos 70 do século XX.O Austríaco Adolf Loos, um percursor do Movimento Moderno, postulava, num artigo fortemente polémico de 1908, que o ornamento era, no geral, “um crime”, uma vez que os produtos decorados eram mais caros de produzir mas não podiam ser vendidos por preços mais altos, pelo que os operários só recebiam salários de miséria; além disso os produtos tornavam-se obsoletos antes de estarem gastos devido à evolução da moda: “o ornamento comete um crime ao prejudicar gravemente as pessoas no que respeita à saúde, aos recursos nacionais e, deste modo, ao seu desenvolvimento cultural.” E ainda: “Já superámos o ornamento, conseguimos vencê-lo e libertarmo–nos dele. Olhai, é chegado o tempo, a realização espera–nos. Em breve as ruas das cidades brilharão como paredes brancas!” Com esta profecia Loos andava perto da realidade e as suas próprias obras – como a Casa Goldman & Salatsch em Viena – eram, com as suas fachadas lisas, isentas de ornamentos, e as suas formas simples, uma verdadeira provocação. Face ao excesso de decoração, ás paredes sobrecarregadas de ornamentos e às salas atafulhadas, as superfícies livres e nuas constituíam, por si só, uma vantagem.
A urbanização habitacional mais ambicionada antes da Primeira Grande Guerra – a cidade-jardim de Hellerau, perto de Dresden, erigida a partir de 1909 segundo o plano geral de Richard Riemerschmid – encontrava-se em estreita relação com a “Deutscher Werkbund” . A ideia das cidades-jardim tinha nascido na Grã-Bretanha, o primeiro país industrializado do mundo e que, por isso mesmo, também sofrera mais fortemente com as consequências sociais do progresso económico. Em 1898, Ebenezer Howard, ao publicar o seu livro To-morrow – A peaceful way to urban reform, delineava o programa do movimento das cidades-jardim. Em 1903 – 1904, sob a direcção arquitectónica de barry Parker e Raymond Unwin começava, em Letchworth, Inglaterra, a sua concretização. Segundo a ideia de Howard, uma cooperativa deveria adquirir terrenos para instalar cerca de 30 000 pessoas e manter-se proprietária do solo para impedir especulação. Em volta de um parque central deveriam agrupar-se casas de um a dois pisos, com jardins no lado da frente, ao longo de pequenas ruas bordejadas de árvores. As instalações para o comércio e trabalho, assim como as quintas existentes á volta da cidade-jardim para o fornecimento de produtos frescos, deveriam juntar as vantagens da vida na cidade com as do campo. No entanto, não foi possível manter a independência face às metrópoles e as românticas cidades-jardim, transformaram-se rapidamente em dormitórios de subúrbio na esfera das grandes cidades. Com a popularização do automóvel, estes subúrbios expandiram-se sem quaisquer limites, impostos anteriormente pela proximidade de uma estação de comboios. A “redução dos índices de ocupação”, a criação de “corredores verdes” e a “degradação” das cidades, preocupações dos projectistas modernos, iniciaram-se com a cidade-jardim. Na Alemanha pretendia-se mais do que a simples melhoria das condições de habitação: por detrás da fundação de Hellerau encontrava-se um empresário progressista e a fábrica de móveis “Deutsche Werkstätten” que se tornou no núcleo económico da urbanização. A procura de uma “reforma do modo de vida” no sentido de uma harmonia social e de uma vivência em consonância coma natureza foi aqui muito mais pronunciada do que na proposta de Howard. Não foi por acaso que o centro cultural da urbanização – também designado por Casa dos Festivais e motivo de grande sensação – serviu de escola de ginástica rítmica. O seu projecto foi do arquitecto Heinrich Tessenow.
Expressionismo e início do racionalismo funcionalista
Se Hellerau foi o símbolo de uma concepção de sociedade ligada à “Deutscher Werkbund” , Peter Behrens, um dos seus membros fundadores, representou, pelo menos durante os primeiros anos, a ideia do artista criador universal. Este arquitecto tinha começado por ser pintor, dedicando-se em seguida às artes aplicadas. Em 1900 foi chamado para Darmstadt onde integrou o grupo de artistas de Mathildenhöhe, o centro da arquitectura Arte Nova alemã. Em 1907 foi convidado, como consultor artístico, pelo grupo Electro-Mecânico AEG. Nessa posição, Behrens tornou-se pioneiro daquilo que hoje se designa por “Corporate Identity”: concebeu toda a imagem da AEG, do papel de carta ao logótipo, passando pelas lâmpadas ou pelos electrodomésticos produzidos, até às instalações fabris. A sua Fábrica de Turbinas em Berlim tornou-se num marco da arquitectura moderna. Esta fábrica, que já não utilizava um revestimento revivalista estranho à sua essência, deve a sua forma monumental à estrutura construtiva que se destaca nas paredes laterais sob a forma de pilares, e nas linhas quebradas do seu frontão. O interior é uma nave elevada, inundada de luz e sem pilares. Mas Behrens também teve outro papel importante: no seu atelier trabalharam e formaram-se, por volta de 1910, dois dos arquitectos mais importantes do século XX, Ludwig Mies van der Rohe e Charles-É douard Jeanneret, aliás Le Corbusier, não tendo nenhum deles concluído o curso de arquitectura. Em 1911, Walter Gropius, um outro aluno importante de Behrens da mesma época, levou ainda mais longe a meta atingida pelo seu professor com o projecto da Fábrica de Turbinas AEG. Um certo pendor para a monumentalidade e o neoclassicismo que Behrens acabava por deixar transparecer, tornava a nave fabril num templo do trabalho. Na Fábrica Fagus desenhada por Gropius e Adolf Meyer, deixou de existir qualquer simbolismo ou solenidade: sem frontões, sem pilares destacados, nem sequer cunhai maciços (que aliás não possuíam função construtiva no edifício de Behrens), a fábrica apresenta uma objectividade simples sendo um paralelepípedo leve, transparente, que parece ser todo em vidro. Se na Fábrica das turbinas as grandes superfícies envidraçadas ainda parecem fixadas entres os pilares, na Fábrica Fagus o vidro e as partes maciças parecem ter-se fundido numa única superfície homogénea. Com esta desmaterialização, a redução exterior do corpo construtivo a uma forma estereométrica e o equilíbrio entre linhas verticais e horizontais, Gropius e Meyer anteciparam a linguagem formal do racionalismo funcionalista. Porém, os interesses arquitectónicos do pós-Primeira Guerra centraram-se inicialmente no Expressionismo. A importância da construção, do material e da função perderam significado em benefício da expressão pessoal do artista. As construções expressionistas surgiram sobretudo na Alemanha, na Holanda e na Escandinávia. A grande tradição na modelação de fachadas com tijolo vermelho não rebocado tornaram fácil o estabelecimento de uma ligação com o expressionismo, com a sua predilecção por uma ornamentação angulosa nos entablamentos, contrafortes e pilastras. A caixilharia das janelas, pintada de branco e frequentemente muito dividida, forma um contraste forte com as superfícies vermelhas do tijolo. O exemplo mais monumental foi certamente o Edifício Chile, em Hamburgo, criado por fritz Höger, um complexo de escritórios gigantesco, no qual se encontram para além de 2 800 janelas idênticas, outros pormenores repetidos pelo menos o mesmo número de vezes. Höger utilizou nas fachadas tijolos de segunda escolha com deformações provocadas por danos e erros de fabrico, conseguindo uma modelação minuciosa e viva sem a aplicação de trabalho manual, que de outro modo não seria economicamente exequível. O projecto do Edifício Chile foi para Höger “a viragem da cultura arquitectónica alemã, o contrário do eclectismo, do classicismo, e o triunfo sobre a nova objectividade”. ”O seu valor intelectual é de um dinamismo gótico. A sua imagem está isenta de peso terreno. A construção é gótica sem ser suportada por arcos ogivais. Quanto ao corpo, a sua dimensão principal é física (horizontal9, o que sublinha a sua extensão mas a sua essência é a verticalidade triunfante sobre o horror dos tempos”.Este Pathos era característico dessa época. A Primeira Guerra Mundial e as suas consequências tinham estagnado a actividade construtiva. Os arquitectos vanguardistas, sem trabalho, davam livre curso à fantasia sobre o papel e desenhavam projectos arrojados e visionários para a sociedade do futuro. Na Alemanha reuniam-se em grupos como o “conselho de trabalho para a arte”, a “corrente de vidro” ou o “anel”. Também Behrens, Gropius e Mies van der Rohe não se fecharam ao turbilhão das ideias expressionistas. Quando, alguns anos depois , a decoração do expressionismo se tornou mais discreta, percebeu-se, face à estereometria preferida dos corpos construtivos , como eram fluidas as suas fronteiras relativamente à arquitectura do racionalismo funcionalista. Esta situação é visível , por exemplo, na arquitectura de Mendelsohn, cuja torre Einstein em Potsdam, concebida como escultura em betão, teve de ser erigida em alvenaria de tijolo e rebocada a cimento, devido à falta de conhecimentos técnicos na época. Mas em breve Mendelsohn encontrou o caminho para desenvolver o seu pendor para a dinâmica de um modo mais directo, a partir da estruturação funcional de um edifício: o movimento das suas construções não era arcaico e condescendente como o de Gaudí, não tinha origem em decorações sobrepostas como na arte nova, mas na sobreposição arrojada e expressiva de partes do edifício, através de faixas de janelas de linhas aerodinâmicas, caixas de escadas redondas e salientes, de inclinações desenvolvidas a partir das curvas de nível do terreno.
Sem comentários:
Enviar um comentário